sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Cadê a Mata Atlântica do Noroeste Fluminense?

A colonização do Noroeste do Estado do Rio de Janeiro teve início logo após o descobrimento do Brasil  com o surgimento dos primeiros povoados as margens dos Rios que cortam a região e a primeira atividade econômica desenvolvida provavelmente foi o cultivo da cana-de-açúcar. Devido ao relevo da região não ser tão favorável ao plantio desta cultura a cana foi cultivada nas áreas de relevo mais plano próximas dos leitos dos Rios. Para analisarmos melhor a ocupação humana e destino da Mata Atlântica da região precisamos ir mais fundo e investigar o processo histórico.
As atividades humanas no Noroeste Fluminense são de longa data, sabe-se que os indígenas que habitavam a região utilizavam da caça e pesca e de uma certa forma já interferiam no meio ambiente. Evidentemente que de uma forma bem menos significativa se comparada com a situação atual e talvez não tenham provocado desequilíbrios tão significantes. Muitas tribos indígenas como por exemplo os Puris tinham o hábito nômade migratório, isto é, eles ficavam em uma determinada região e utilizavam dos recursos daquele lugar até ficarem escassos daí mudavam para outra área. Podemos imaginar as interferências locais devido a caça de animais selvagens para a alimentação, o que deixava a "floresta vazia" fenômeno onde árvores maduras são privadas das interações essenciais com seus dispersores como resultado da sua eliminação pela caça e fragmentação florestal, ou seja, a redução no número de espécies de um determinado ecossistema acaba por trazer consequências para toda a fauna e flora.
Um outro dado interessante que mostra a longevidade das intervenções humanas na região reporta ao fato da cana-de-açúcar ter sido introduzida na região Norte Fluminense em 1538 por Pero de Góis. Veja abaixo o trecho da carta de Pero de Góis ao Rei D. João III que deixa claro a intenção em povoar as terras que recebeu do Rei.

"Escrevo-lhe isto para que o saiba: neste rio (Managé – atual Itabapoana), como digo, determino fazer nossos engenhos d’água; estes dois homens com outros dois, que para isso assoldadei, vão arrotear e fazer com os índios muita fazenda, a saber: plantar uma ilha que já tenho pelos índios roçada de canas,e assim fazer toda quanta fazenda pudermos fazer, para que, quando vier gente, ache já que comer, e canas e o mais necessário para os engenhos."

Segundo o historiador João Oscar a praxe colonial era levantar engenhos em regiões de abundantes recursos hídricos e próximo a matas para o fornecimento de lenha e fazer-se o primeiro engenho perto da primeira povoação. Ora, sabendo-se que o primeiro engenho de Pero de Góis foi feito às margens do rio Itabapoana, pelo raciocínio lógico foi deduzido que o primeiro povoado chamado Vila da Rainha localizava-se pouco abaixo do mesmo, nas proximidades da foz desse rio. Para Tereza Peixoto, houve muita resistência e conflitos com os indígenas e somente anos mais tarde prosperou a primeira Vila chamada de São Salvador onde hoje é a atual cidade de Campos dos Goytacazes.

Podemos imaginar pelo exposto acima que de uma forma natural o plantio da cana-de-açúcar se estendeu próximo dos Rios em direção ao Noroeste Fluminense e também podemos deduzir que a pressão sobre a mata ciliar dos Rios da região teve início nessa época, ou seja, a menos de 1 século após o início da colonização portuguesa. As interferências humanas no ecossistema da região são muito antigas e as atividades de subsistência, primeiro indígena e posterior da população ribeirinha, desde os primórdios interferiram de alguma forma no Bioma Mata Atlântica sobretudo através da caça e da pesca predatória. Obviamente que naquela época a população era muito pequena e os impactos ambientais foram menores, mas devemos salientar que tais impactos aconteceram de forma contínua por séculos a fio.

Tereza Peixoto ainda afirma que a população indígena no Norte e Noroeste foi dizimada e sua cultura destruída no processo de ocupação portuguesa. Os índios Goitacá, Puri, Coroado e Coropó que habitavam a região foram submetidos a catequização e aldeamento, uma espécie de confinamento em determinadas áreas, enquanto os colonizadores apossavam de suas terras. Os índios não se submetiam a trabalhos forçados e acabaram sendo aniquilados pelos brancos. Os indígenas eram nômades, vivendo da caça, pesca e uma agricultura primária. Tinham como costume limpar o terreno para o plantio através de queimadas, o que prejudicava a fertilidade do solo e os obrigavam a migrar de tempos em tempos, em busca de áreas virgens. José Otávio Aguiar reitera que obrigados a permanecerem nos aldeamentos, os índios tonavam-se extremamente dependentes dos favores da igreja ou do governo: a prática de seus costumes tribais era então inferiorizada e ridicularizada ao máximo, no sentido de que, abandonando sua identidade, incorporassem um novo ideal de homem submisso, entregue aos desígnios do Estado: estava, então, dado o primeiro passo rumo à morte de suas culturas.

As primeiras Vilas a prosperarem foram as que deram origem a Campos, São Fidelis e São João da Barra que exportavam para a capital do Estado produtos alimentícios utilizando o Rio Paraíba do Sul como via de transporte. Nessa época os habitantes do Noroeste Fluminense eram os índios Puris e a colonização portuguesa ocorreu logo após o domínio da baixada costeira. A primeira vila a surgir na Região Noroeste foi Porto Alegre as margens do rio Muriaé, hoje chamada Itaperuna. Aqui podemos perceber a importância que os rios tinham em uma época que não existiam estradas.

Com o passar dos séculos a expansão populacional foi inevitável e o impacto das interferências das atividades humanas sobre o meio ambiente aumentaram de forma proporcional. A agricultura de subsistência aos poucos foi substituída pela agricultura comercial primeiramente da cana-de-açúcar, além da criação de gado e, posteriormente, por volta do século XIX pelo cultivo do café. Nessa época foram implantadas as ferrovias e a colonização teve um grande avanço, naturalmente, o meio ambiente sofreu um gigantesco impacto. Nas áreas próximas dos rios as lavouras prosperaram, a Mata ciliar foi quase completamente destruída e a Mata Atlântica do Noroeste Fluminense que possui muitas árvores com característica caduciforme (perdem as folhas no inverno seco)  foi fragmentada ficando restrita as partes mais altas e encostas de difícil acesso.

A crise do café no início do século XX culminou com o fim do ciclo do café e os fazendeiros da região optaram por concentrar na criação de gado para produção de carne e leite. O foco na pecuária comercial continuou pressionando a destruição da Mata  para abertura de novas áreas de pastagens para o gado. A estratégia foi simplesmente deixar os bois penetrarem lentamente dentro dos fragmentos de Mata que ainda restavam e aos poucos estes foram destruídos. O processo de destruição é lento e quase imperceptível aos olhos da grande maioria e acontece até os dias atuais. Esse é um exemplo clássico do que pode acontecer quando o homem interfere de forma lenta e gradual por centenas de anos em um determinado ecossistema. Hoje restam na região apenas alguns poucos fragmentos que somam menos de 5% do total original do Bioma Mata Atlântica.

Se voltarmos 20 ou 30 anos no tempo iremos perceber que não houve muitas alterações no desmatamento porque aqui a coisa teve início a muito tempo atrás e os problemas enfrentados pela população atual das cidades como as enchentes não tem origem recente. Os impactos atuais apenas agravaram ainda mais a situação em virtude do crescimento desordenado das cidades que tiveram origem as margens dos Rios e do aumento sobretudo do esgoto lançado nos Rios sem tratamento. Atualmente a pecuária domina a paisagem, uma vez que, o relevo acidentado, clima seco e quente não é favorável a atividades agrícolas de grande porte, contudo, a região comporta apenas pequenas lavouras principalmente de hortifrutigranjeiros com exceção das partes altas do município de Varre-sai e de Bom Jesus do Itabapoana onde o plantio de café ainda persiste.

Portanto, fica evidente neste pequeno texto que a ausência da Mata Atlântica pode ter contribuído para enfatizar as mudanças climáticas locais e a localização preferencial das cidades da região nas margens dos Rios como por exemplo; Lage do Muriaé, Itaperuna, Italva e Cardoso Moreira, torna tais cidades mais suscetíveis e vulneráveis às enchentes. A ausência de matas ciliares contribui ainda mais para a erosão destas margens e assoreamento do leito dos rios agravando o problema. Finalizando, os municípios que apresentam um relevo mais acentuado e sem cobertura da floresta apresenta processos erosivos associados principalmente às áreas de pastagens.


Bibliografia: