terça-feira, 15 de junho de 2010

Estrada de Ferro Leopoldina Railway na Colonização do Noroeste Fluminense

A colonização do Noroeste Fluminense teve um grande impulso com a construção das estradas de ferro no final do século XIX. A sua construção foi fundamental para o desenvolvimento agrícola e posteriormente das cidades da região. Quase todas as cidades atuais ou eram pequenos vilarejos que foram cortados pelos trilhos da ferrovia ou nasceram ao redor das estações ferroviárias da Estrada de Ferro Leopoldina Railway que operou por cerca de 70 anos as duas linhas que cruzaram a região possibilitando aos fazendeiros escoar café, principal produto agrícola da época. Aliás, a ferrovia nasceu graças aos fazendeiros, mais sem dúvida a expansão ferroviária na região deve-se principalmente a iniciativa pioneira dos fazendeiros e comerciantes da Zona da Mata Mineira que transportavam sua produção e traziam produtos do litoral por meio de tropas de mulas.

Fica claro que era fundamental e necessário a existência de meios de transportes mais eficientes que as mulas para o transporte de uma agricultura em expansão. Na época o comércio era pequeno, só havia pequenos vilarejos, nenhum tipo de indústria, portanto, até mesmo o traçado da estrada de ferro priorizava as fazendas, pois foi a agricultura que tornou viável bancar os custos de sua implantação.

Vamos então conhecer alguns detalhes da construção dessas estradas de ferro.

A construção do trecho da ferrovia que passava pelos atuais municípios de Cardoso Moreira, Italva, Itaperuna, Natividade e Porciúncula tiveram inicio por volta de 1878, pelo fazendeiro Comendador José Cardoso Moreira proprietário da Fazenda Porto Alegre localizada onde atualmente fica a cidade de Itaperuna. José Cardoso Moreira era o principal acionista da ferrovia que recebeu o nome de Estrada de Ferro do Carangola e tinha concessão para explorar o trecho de Murundu município de Campos dos Goytacazes até a atual cidade mineira de Carangola. A estrada nunca chegou a Carangola porque ocorreram atrasos na sua construção ficando algum tempo paralisado na atual cidade de Cardoso Moreira. O tempo perdido foi suficiente para outra companhia a CEFL (Companhia Estrada de Ferro Leopoldina) que tinha pretensão de levar seus trilhos que vinha de Porto Novo do Cunha (próximo a Além Paraíba) até Manhuaçu passando por Carangola chegar primeiro a atual Porciúncula cruzando o caminho da EF Carangola. Houve, na época, uma grande disputa. Sabendo dos planos da CEFL o Comendador decidiu a partir de Itaperuna rumar seus trilhos em direção a Muriaé, mais ao chegar à atual Patrocínio do Muriaé a CEFL já havia passado a frente rumo a Carangola. Diante disso, o Comendador Cardoso Moreira decidido a tentar cortar a frente construiu outro ramal partindo de um ponto logo após Itaperuna rumo à atual Porciúncula e mais uma vez não consegui ultrapassar a CEFL, findando os trilhos da ferrovia nesta cidade. Alguns anos após a conclusão da construção da EF Carangola esta foi incorporado pela CEFL. Atualmente o trecho da EF Carangola não existe mais, tendo sido desativado em 1973 o trecho Porciúncula – Itaperuna e Patrocínio do Muriaé – Itaperuna e em 1977 o trecho Itaperuna – Murundu pela Rede Ferroviária Federal que havia incorporado esses trechos pouco tempo antes.

Outro percurso construído no Noroeste Fluminense foi à linha Campos Miracema. Construído no final do século XIX percorre os atuais municípios de Cambuci, Aperibé e Santo Antônio de Pádua. O pequeno trecho de Paraoquena a Miracema também não existe mais. Na época a CEFL também incorporou esse trecho algum tempo depois de sua construção. A linha está ativa até hoje, parou o transporte de passageiros na década de 80, mais continua funcionando para cargueiros da FCA (Ferrovia Centro Atlântica). O atual trecho interliga Campos dos Goytacazes – RJ a Recreio – MG, local onde existe um entroncamento com a linha que vem de Cataguases - MG.

A compra de várias linhas a preços absurdos, a multiplicidade de bitolas (distância entre os trilhos) e a má administração levaram a CEFL à liquidação em 1897. No ano seguinte nova empresa foi organizada em Londres, The Leopoldina Railway, para assumir os mais de 2.100 km de linhas já incorporadas à ferrovia.

A Leopoldina Railway operou as estradas de ferro do Noroeste Fluminense por cerca de 70 anos (1898 até a década de 70). A decadência da ferrovia está ligada diretamente a decadência econômica do Norte Noroeste Fluminense com o fim das lavouras de café na região e o início do ciclo do café e da cana-de-açúcar em São Paulo.

Veja abaixo o Mapa Ferroviário de 1961da Leopoldina, em destaque o trecho da antiga Estrada de Ferro Carangola (trecho Murundu – Porciúncula).
Fonte: http://www.estacoesferroviarias.com.br/index_rj.htm

No mapa abaixo destaque para o trecho Campos – Miracema ativo até hoje (exceto o pequeno trecho Paraoquena – Miracema) e gerenciado pela FCA (Ferrovia Centro Atlântica).
Fonte: http://www.estacoesferroviarias.com.br/index_rj.htm

Como podemos ver nos mapas o Noroeste Fluminense era recortado por ferrovias que o interligava a capital do Estado, Rio de Janeiro, e inúmeras outras cidades da Zona da Mata Mineira e Sul Capixaba. As ferrovias foram por um longo tempo o principal meio de transporte de cargas e de passageiros na região. O seu fim coincide com a abertura das rodovias atuais.

Parece claro que houve uma mudança de prioridade na época para o transporte rodoviário, fato que infelizmente ocorreu no Brasil inteiro, ficando para trás uma época de glória das ferrovias. Essa mudança de mentalidade não parece ter sido uma sábia decisão, nossas rodovias atuais sempre estiveram em condições ruins para o tráfego, foram construídas mais nunca houve manutenção adequada. Recentemente, finalmente, teve início a reforma do trecho fluminense da BR 395 que foi construída próximo do leito da antiga Estrada de Ferro Carangola acompanhando o Rio Muriaé da região de Campos até a divisa com Minas Gerais, mais esse trecho não atende a maioria das cidades que continuam com suas estradas ruins e, certamente, nos faz refletir do por que terem sido desativados o trecho da EF Carangola e finalizado na década de 80 o transporte de passageiros no trecho Campos – Recreio passando por Santo Antônio de Pádua. Caso estivessem ativas, poderiam servir como meio auxiliar ou mesmo como o principal meio de transporte de passageiros e cargas entre as cidades atuais, uma vez que a maioria das cidades do Noroeste Fluminense estão inseridas na antiga malha ferroviária, com exceções de São José de Ubá, Varre-sai e Laje do Muriaé.

Caso não tivessem sido desativados, com algum investimento em tecnologia e melhoramento dos trens os passageiros não precisariam se sujeitar ao transporte rodoviário atual, monopolizado e realizado por ônibus em condições pouco agradáveis. Parece evidente que a inexistência de concorrência é desastrosa para os usuários, se as ferrovias estivessem em funcionamento, teríamos mais uma opção para viajar com a segurança oferecida pelos trens, o que não existe nas rodovias mal sinalizadas e conservadas que cortam a região.

Ferrovia Transcontinental – EF-354

O futuro das ferrovias no Noroeste Fluminense parece promissor caso saia do papel o projeto do Governo Federal de implantação da Ferrovia Transcontinental (EF-354) que ligará o Porto do Açu em São João da Barra ao Peru interligando os oceanos Pacífico e Atlântico. O traçado planejado desta ferrovia prevê sua construção a partir de São João da Barra passando por Campos dos Goytacazes, Muriaé e Ipatinga em Minas Gerais e de lá rumo a Região Centro Oeste passando pelos Estados de Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Acre até a divisa com o Peru.

Esse ousado projeto coloca o Noroeste Fluminense de volta a era ferroviária, já que obrigatoriamente os trilhos precisam passar pela região no trecho entre Campos e Muriaé caso seja mantido o planejamento desse traçado. Mesmo que o traçado seja alterado para a região de Carangola como pretende tal município a linha férrea terá que cruzar a região. Ainda não existe um projeto definitivo indicando por onde passariam os trilhos e quais municípios seriam contemplados. Certamente haverá muita discução a respeito e muitas perguntas deverão ser respondidas. Por exemplo: De que forma essa nova ferrovia beneficiará nossa região? Haverá estações em algum ponto no Noroeste Fluminense? De que maneira ela pode contribuir para melhorar a economia e o transporte? O que deve ser feito para que a ferrovia incentive a vinda de indústrias para a região?

Caso seja mantido o traçado por Muriaé seria mais lógico os trilhos seguirem rumo a Campos através dos municípios de Laje do Muriaé, São José de Ubá, Cambuci na região de São João do Paraíso e São Fidelis podendo beneficiar, uma região que nunca foi favorecida por ferrovias e carece de investimentos para seu desenvolvimento. O lado positivo desta região é que ela não possui rios, áreas ambientais ou grandes montanhas, o relevo é muito parecido com o do traçado das antigas ferrovias que serpenteavam entre os morros próximos ao curso dos rios. Os pequenos morros não são páreo para o aparato tecnológico que existe atualmente na construção de grandes projetos como o de uma ferrovia desse porte. O lado negativo é que teriam de serem desapropriadas terras privadas para viabilizar a obra.

Caso seja alterado para Carangola o traçado mais lógico seria o mesmo da antiga EF Carangola, este é um ponto positivo, sendo que este percurso também apresenta pontos negativos, pois os trechos urbanos foram suprimidos pelo crescimento das cidades atuais. Além disso, possui seu leito ferroviário muito próximo aos Rios Muriaé e Carangola o que poderá trazer problemas com as licenças ambientais necessárias a construção da ferrovia. O traçado antigo teria de ser reformulado em muitos trechos para permitir o tráfego de cargueiros de grande porte já que o percurso antigo é muito sinuoso e há agora o minerioduto Rio-Minas que corta o traçado da ferrovia em alguns pontos.

Enfim, muitas dúvidas pairam no ar e como não se sabe ao certo o seu traçado fica difícil qualquer análise mais profunda. O que se espera é que a região saia ganhando com essa obra, caso ela realmente aconteça de fato.

Referências:

Cidade do Rio
Estações Ferroviárias
E_Centro_Oeste
Itaperuna Online
Portal Click
Projeto de Lei de Conversão nº 18 de 2008

10 comentários:

  1. Marcelo,
    Vc está de parabéns pelo trabalho q vem desenvolvendo. Com essa postagem vc não só traça o histórica das ferrovias na região como chama o leitor e os gestores públicos em geral, para pensarem as possibilidades q poderão ou não vir a serem um diferencial para o desenvolvimento da região.
    Parabéns e conte sempre conosco.

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  2. Marcelo, bom dia!
    Parabéns pela matéria.Gostaria apenas de fazer uma correção em relação ao traçado da EF. 354. A cidade de Caratinga não está na rota. A cidade correta seria Ipatinga.
    Um grande abraço. Estamos torcendo que esse grande projeto, realmente saia do papel.
    Abraços.
    Tito.

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  3. Obrigado Antônio pela observação, eu já fiz a correção do nome da cidade, ambas tem o nome parecido...

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  4. Eu não pensaria em percursos transcontinentais, O povo, os correios e as cargas precisam de uma via direta desde Além Paraíba até Cachoeiro do Itapemirim [trecho novo, mais pé no chão], de maneira a ligar quase em linha reta São Paulo a Vitória [Sem passar pela cidade do Rio]. Adaptando o trecho da antiga Leopoldina e o traçado a ser construido, para 1.60m Essa mania de grandeza transcontinental desvia a atenção para a falta de traçados regionais tão necessários ao deslocamento confortável de pessoas entre nossas grandes cidades. Nos tempos de glória das ferrovias as pessoas usavam os trens em seus deslocamenos....

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  5. sim, muito bom trabalho, mas eu gostaria de saber o ano da construçao da rj 116 que conta por cachoeiras de macacu. abraços

    se souberem de alguma coisa mande para meu email giselesonho@bol.com.br

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  6. Alexandre Miranda alebormi@gmail.com18 de janeiro de 2011 às 23:14

    Parabéns, Marcelo, pelo texto. Você aborda um assunto importantíssimo, relacionando bem as informações históricas da antigas Estradas de Ferro Carangola e Leopoldina que poderão 'renascer' com a Ferrovia Transcontinental EF 354. É tempo do Brasil reparar o erro histórico da erradicação das suas ferrovias imperiais no período da ditadura militar e construir ferrovias modernas e eficientes, como ocorre nos países desenvolvidos, que transportam passageiros e cargas pelos trens. Continue discutindo esse tema e contribuindo para a mobilização favorável à construção da Ferrovia Transcontinental.
    Alexandre Miranda
    Belo Horizonte-MG
    alebormi@gmail.com

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  7. Que blog espetacular!!!!
    Estou aprendendo muito depos que comecei a ler as postagens.
    Parabéns!

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  8. Olá Marcelo! Moro em Muriaé e estudo em Campos.. Acredito que a ferrovia irá beneficiar muito nossa regiaão gerando empregos, e trazendo muita tecnologia com certeza. A minha dúvida é a respeito da questão ambiental... existe ou está sendo feito um estudo de impacto ambiental da ferrovia? Abraços
    Elivania

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  9. Elivania, na época que fiz o poster sobre a ferrovia, a transcontinental era apenas um pré-projeto e nem estava definido exatamente o traçado! Atualmente eu não sei como está a situação, esperamos que esse projeto saia do papel e aí teremos o estudo de impactos ambientais.

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  10. Prezado Marcelo,
    A proposta da Ferrovia Transcontinental EF354 parece estar caminhando para sair do papel.Em 15 de agosto de 2012, o Governo lançou o "Programa de Investimento em Logística", cujo cronograma prevê:
    ESTUDOS no período de ago/12 a fev/13;
    AUDIÊNCIAS PÚBLICAS em mar/13;
    PUBLICAÇÃO DO EDITAL em maio/13;
    LICITAÇÃO em jun/13;
    ASSINATURA DOS CONTRATOS entre JUL e SET/13.
    Alexandre Miranda
    Belo Horizonte-MG

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